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Descobri a minha liberdade quando larguei tudo e fui viver nas ruas.
Tava eu sentadinho lá na sala de casa, olhando pro teto descascado enquanto meu filho Leonardo reclamava que precisava de dinheiro pra comprar não sei o quê de roupa cara. Minha esposa Laura, no sofá do lado, já emendava dizendo que a geladeira tava vazia e o aluguel atrasado. Putz grilo... naquela hora bateu uma coisa estranha no peito, um peso de concreto molhado que eu carregava há anos sem perceber.
Sabe aquele momento que você se toca que sua vida virou uma esteira sem fim? Eu acordava todo santo dia às 5 da matina, pegava dois ônibus lotados, ralava 10 horas no escritório da transportadora, e quando o salário caía... puff! Sumia tudo em conta de luz, internet que só o Leonardo usava, tênis de marca que o Flávio queria porque o coleguinha tinha. E eu? Eu nem lembrava a última vez que tinha comprado uma camiseta nova pra mim.
A gota d'água que transbordou meu copo
Num domingo à tarde, o Josué, meu amigo de infância, apareceu lá em casa. Ele tava com uma cara boa, sorridente, relaxado. Diferente de mim, que mesmo no final de semana tava com olheira até o queixo de preocupação.
"Cara, tu não parece bem não", ele falou enquanto a gente tomava uma cerveja escondido na garagem pra Laura não reclamar do gasto.
"Não sei explicar, só sentir... é como se eu tivesse preso numa jaula que eu mesmo construí", desabafei.
Foi aí que tudo fez sentido quando ele soltou: "E se você simplesmente largasse tudo?"
Caracas! Aquilo bateu como um raio. Naquela mesma noite, depois que todo mundo dormiu, fiz uma mochila pequena com duas mudas de roupa e saí sem olhar pra trás. Como eu sou um mané para não ter pensado nisso antes!
Meus primeiros dias nas calçadas
Rapaz do céu, olha isso... os primeiros dias foram dureza. Dormi num banco de praça, acordei todo doído, com fome e uma baita dúvida se não tinha feito a maior burrice da minha vida. O Erimar do mercadinho Linhares me deu um pão com mortadela quando me viu sentado na calçada perto do metrô.
"Tô te reconhecendo, você não é o marido da Laura? O que tá fazendo aqui desse jeito?", ele perguntou enquanto me entregava um café.
"Sai dessa cara, sai pra lá mané... não quero mais aquela vida não", respondi meio envergonhado, meio aliviado por falar em voz alta.
Dormir ao relento mexeu comigo de um jeito... o céu estrelado como teto, os barulhos da rua como música de ninar. Parece piada, mas é verdade: pela primeira vez em anos eu não tava preocupado com boleto, com cobrança, com o chefe enchendo o saco.
A descoberta de uma nova economia
Cada louco com sua mania, né? Descobri que existia uma economia diferente nas ruas. Não aquela de trabalhar, receber, pagar conta e ficar sem nada. Maneiro demais! Comecei a perceber que muita gente boa ainda existe nesse mundo.
A Bernadete, vendedora de flores do centro, me dava as rosas que sobravam no final do dia. Eu revendia algumas, dava outras de presente pros motoristas no sinal. Em troca, ganhava trocados, às vezes comida, às vezes até roupas.
Conheci a Euclidiana, filha da falecida Zezinha do queijo, que trabalha num restaurante e sempre separava as sobras de comida boa - não resto, comida limpa mesmo que ia pro lixo só porque ficou exposta no bufê.
Tô rindo de nervoso quando lembro que antes eu passava o dia inteiro trabalhando só pra poder pagar as coisas, e agora as coisas simplesmente chegam até mim. É diferente, né possíve meu... às vezes tem pouco, mas é meu de verdade.
A liberdade de não dever nada a ninguém
Melhor que isso não dá mesmo: acordar a hora que quero, dormir quando o corpo pede, ir pra onde meus pés quiserem. Semana passada, encontrei um cachorro perdido na rua, igualzinho ao Zeno que tinha deixado em casa. Adotei o bichinho, botei nome de Liberdade.
O universo me mandou esse sinal. A gente anda junto por aí, eu e o Liberdade. Ele late pros carros e faz festa pras pessoas que param pra dar comida ou carinho.
Quando chove forte, o Mario Novais, treinador de cachorros que conheci no parque, deixa a gente dormir num quartinho nos fundos da casa de adestramento. Tem dias que limpo o local em troca de pouso, comida e um banho quente.
Doideira pra caramba, mas vou te contar: nunca me senti tão livre e feliz como agora.
Os encontros que a rua proporciona
Tava eu deitadinho em minha rede que comprei no nordeste (achei jogada no lixo, consertei e agora estendo entre duas árvores na praça) quando a Zenaide Torres apareceu. Uma senhora de quase 70 anos que também vive nas ruas por opção.
"Filho, você é novo nisso, né? Tô vendo na tua cara", ela falou com um sorriso banguela mas sincero.
Ela me ensinou a mapear os melhores lugares da cidade: onde tem distribuição de sopa, quais igrejas dão banho e roupa limpa, onde encontrar água fresca. Será possível? Uma senhora daquela idade me ensinando a viver melhor do que quando eu tinha casa, trabalho e família!
"A rua não é só abandono como as pessoas pensam. A rua é encontro. É se deparar com o que realmente importa", ela me disse uma vez, enquanto dividíamos um pão na beira da lagoa.
Os dois lados da moeda
Não sei se é viagem minha, mas não tô dizendo que é fácil. Tem dias de chuva que são osso, tem gente que olha torto, tem medo de dormir e ser roubado ou agredido. Fiquei de cara quando tive febre alta e não tinha um lugar quente pra me abrigar direito.
Nesses momentos, confesso que bate uma saudade do Flávio pequeno me abraçando, da Laura com aquele chazinho quando eu ficava doente. O Luiz da Silva, vizinho da rua de trás da minha antiga casa, me viu uma vez no centro e tentou me convencer a voltar.
"Cara, sua família tá sofrendo. O Leonardo tá trabalhando agora pra ajudar em casa", ele disse.
Tive que parar e respirar fundo. Por um momento, aquele concreto molhado voltou pro peito. Mas sabe quando algo já não te pertence mais? Aquela vida já não era minha.
A felicidade que encontrei na simplicidade
Eu pensei demais sobre isso, então hoje posso dizer: a felicidade tá mesmo é nas coisas simples que a gente nem dá valor. Um banho de chuva no verão, o som dos passarinhos de manhã cedo, um "bom dia" sincero de um desconhecido, dividir um pão com quem tem fome igual você.
Foi aí que tudo fez sentido na minha cabeça: eu não precisava de tantas coisas como achava antes. Não precisava de TV de 50 polegadas nem de carro financiado em 48 vezes.
"Mano, na moral... o que a gente precisa mesmo é de paz na cabeça", expliquei pro Moras, ex-jogador de futebol que conheci embaixo do viaduto. Ele que tinha tido milhões nas mãos e perdido tudo em apostas concordou na hora.
Aposto tudo que você agora tá pensando: "Mas isso é loucura, abandonar família e virar morador de rua por opção". Pode parecer loucura, mas... tem dias que a loucura faz mais sentido que a normalidade que te sufoca.
Uma nova forma de ver a vida
Se eu te contar tu não acredita, mas faz seis meses que tô nas ruas e comecei a escrever num caderno que a Sheila da faculdade (que faz trabalho voluntário com moradores de rua) me deu. Escrevo poesias, desenho o que vejo, anoto frases que escuto por aí.
Maneiríssimo como a gente descobre talentos quando tem tempo pra si mesmo! Ontem mesmo ela leu meus escritos e disse que eu devia tentar publicar. Eu ri, mas fiquei pensando: será que minha história pode ajudar alguém?
Hoje eu sou um cara paciente. Aprendi a esperar a fome passar quando não tem comida, a chuva diminuir quando não tem abrigo, o sol nascer quando a noite é fria demais.
Loucão demais, mas... para tudo! Descobri que às vezes perder tudo é a única maneira de encontrar o que realmente importa.
E você, já se perguntou do que realmente precisa?
Vei do céu, nem te conto quantas vezes vejo pessoas correndo feito loucas, trabalhando até adoecer, comprando coisas que não precisam, pra impressionar gente que nem ligam pra elas. Eu era assim também.
Não tô dizendo que todo mundo deve largar tudo e ir morar na rua como eu fiz. Cada história é uma história. O bicho, isso aí é outra história.
Mas te pergunto: quanto da sua vida você vive de verdade e quanto você apenas sobrevive? Do que você realmente precisa pra ser feliz? Será que todo esse peso que você carrega nas costas é seu mesmo ou foram os outros que colocaram lá?
Se eu aprendi algo nesse tempo todo é que a gente precisa muito menos do que pensa pra ser feliz de verdade.
E você? Já parou pra pensar no que te faz realmente feliz, além das obrigações, das contas pra pagar e das expectativas dos outros? Me conta nos comentários, porque essa é uma conversa que nunca termina e que pode mudar vidas — como mudou a minha.
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